terça-feira, julho 18, 2006

Ironias da Boca para fora: sobre o que se passa em Israel

Notícia do dia: Olmerth assina a sua própria sentença de morte. Nas palavras do Ministro de Defesa de Israel, nenhum país pode aceitar o disparo indiscriminado sobre os seus civis. O xeque do Hezbollah, Hassan Nasrallah, assinou a sua própria sentença de morte ao ordenar o disparo de misseis sobre Haifa... er... oops, disse Olmerth ao princípio?

É extraordinário a forma como os peixes podem morrer pela boca. Porque é indiscutível que quem iniciou a matança indiscriminada de civis foi Israel, que o faz sistematicamente à menor provocação, e só a falta de vergonha na nossa cara ou a nossa cobardia face aos nossos "aliados" nos impede de denunciar no que se tornaram: um estado monstro, empenhado em criar uma zona de terra queimada em volta, e para quem os seus vizinhos ou ocupados não são humanos (ou são-no mas eles são mais que humanos). Como é que foi possível, uma nação que era admirada por todos, tornar-se nisto?

Claramente, mimá-mo-la demais. Mas quem lhes vai dar a sova que precisam para se rectificarem?

quinta-feira, julho 13, 2006

Desonestidades Intelectuais: A propósito da Fábrica da GM da Azambuja

Se à algo que não posso deixar passar em branco é a desonestidade intelectual. Por desonestidade intelectual entendo a defesa ou o ataque de ideias com recurso a factos conjunturais onde há partida não existe clarificação suficiente para os associar à ideia em questão. A desonestidade intelectual abunda a todos os níveis. Numa sociedade com altos graus de sofisticação como a nossa, as questões que diferenciam cada um são tão de pormenor que se tornam impróprias para vender... o exagero, a deformação, e sim, a desonestidade intelectual tornam-se assim a arma principal de venda. Daí que a encontremos em vendedores, na publicidade, políticos, comentadores, mesmo eu que a critico não estou imune de a usar. Mas onde não a suporto realmente é em jornais.

Vem isto a propósito da clarificação prestada pelos responsáveis da GM sobre as razões do fecho da fábrica de Azambuja. As razões são claras: a saturação do mercado e as dificuldades da empresa obrigam ao corte de custos fixos, nomeadamente a fusão de instalações fabris para aproveitamento total dos turnos... com isto, a GM reconhece implicitamente que não vê a sua posição no mercado "regional" a aumentar de forma a aproveitar o sua capacidade excedentária de produção; e a logística de fornecimentos, claramente desvantajosa para a fábrica da Azambuja. Esta ultima caracteriza-se por a cadeia de fornecedores em apoio à fábrica não ser tão eficiente como para outras fábricas a manter. Como dizia a administração, o fecho tem a haver com factores externos sobre os quais a Azambuja não tem controlo.

A leitura imediata daqui é que nenhuma das razões principais do fecho tem a haver com uma alegada falta de produtividade dos seus trabalhadores, ou supostos altos salários por eles auferidos. Essa é uma dedução directa das palavras da GM, porque estes são factores onde a Azambuja podia ter uma palavra a dizer. De resto, tal argumento seria incoerente com a oferta de transferência de emprego para trabalhadoras da fábrica, para Saragoça.

E isto é engraçado.

Porque não há muito tempo, não foram poucos os "estudos" e as opiniões nos jornais tentando mostrar que a responsabilidade do fecho estava no comportamento dos seus trabalhadores. Lembro-me inclusive de ler comparações entre estes e os da Auto-Europa, onde estes teriam optado por garantir o seu emprego a longo prazo, e os primeiros teriam privilegiado os ganhos salariais a curto prazo. Os acontecimentos erigiam-se assim em casos-estudo da razão porque os trabalhadores de uma empresa não deviam estar demasiado atados aos "privilégios" arrecadados no passado, sob risco de perderem tudo. Nada de mais conveniente à classe empresarial, e também nada de mais intelectualmente desonesto... porque o exemplo principal afinal não o suporta.

quarta-feira, julho 12, 2006

Quem quer cupões do Monopólio?

No sábado, fiz algo que só faço talvez de ano a ano: fui ao McDonalds. Lá deparei-me com um curioso concurso baseado no monopólio, compra-se menus, ganha-se cupões que tanto podem ser um prémio directo, como representar casas de monopólio. Tal como neste jogo, a ideia seria coleccionar agrupamentos ou bairros, que poderiam ser trocados por prémios depois. O concurso seguia a escala de valores do jogo português: Ao Rossio e a Rua Augusta por exemplo, o bairro mais caro e potencialmente mais valioso do jogo, correspondia a atribuição de 1 entre 3 carros, aos restantes ajuntamentos correspondiam mais prémios mas de menor valor.

Qual não foi à minha sorte quando à primeira, saiu-me a Rua Augusta entre 4 cupões? Sorte demais ou de menos, porque o concurso terminava no dia seguinte e não há tempo para empanturrar-me de mais hamburgers, mas não deixei de pensar que era um concurso muito simpático. Com efeito, ainda que as hipóteses de sair um bairro especifico sejam diminutas, as hipóteses de sair um qualquer não são, como vos poderá dizer qualquer jogador do monopólio ao fim de algum tempo de jogo. Ainda assim, o mecanismo de extracção é diferente, pelo que façamos as contas.

No monopólio, existem 10 grupos ou bairros organizados da seguinte forma:

3 de 2 ruas ou casas
7 de 3 ruas ou casas
1 de 4 ruas ou casas
--------------------
31 ruas ou casas (entre 31 ou 40)

As restantes casa do tabuleiro pertencem a castigos e recompensas à sorte: prisão, vá para a prisão, casa de partida (receba X), caixa de previdência, etc). Não sei quantos cupões diferentes estão em jogo, mas posso especular sobre dois cenários diferentes: num deles, as casas a mais foram transformadas em prémios directos (para respeitar o principio do jogo), noutro, os prémios directos não estão na mesma proporção em relação a essas casa. O ultimo cenário é o mais provável ou teríamos em média, quase um prémio directo por cada super McMenu (este dava 4 cupões, o McMenu dava 2... penso que eram os menus, e não as batatas fritas e refrigerantes que davam o prémio). Isto é de resto académico, porque aumentar o número de cupões com recurso a prémios directos é sempre vantajoso por mim, e paga-se a si próprio. Trabalhar com o cenário mais favorável à saída de bairros pode não ser o mais vantajoso pelo que usarei este... já que tudo o que vier a mais é bónus. A probabilidade de sair um bairro determinado é portanto:

Agrupamento de 2 ruas ou casas: (1/31)^2 = 0.10405% ~ 1 em 240 Super McMenus
Agrupamento de 3 ruas ou casas: (1/31)^3 = 0.00336% ~ 1 em 7748 Super McMenus
Agrupamento de 4 ruas ou casas: (1/31)^4 = 0.00011% ~ 1 em 230880 Super McMenus

Já está, se quisesse que saísse um determinado prémio, os números acima seriam o número médio de Super McMenus que teria que consumir até o mesmo sair. Podem ser mais, ou ser menos. Mas a probabilidade de sair um prémio qualquer é maior:

prémio qualquer = 3(1/31)^2+7(1/31)^3+(1/31)^4 = 0.336% ~ 1 em 74 Super McMenus

E a probabilidade então de me sair um carro se já tiver a rua Augusta, é abismalmente melhor:

CARRO!!! = (1/31) = 3.2% ~ 1 em 8 Super McMenus

À volta de 30 a 40 euros (em média) em Super McMenus, era quanto me afastava do carro naquele momento. Espectacular.

Maldisse-me por não ter mais tempo para aproveitar o concurso. Depois interroguei-me: como é que "eles" conseguiam assegurar que só saíam 3 carros?

...



A resposta é tão simples quanto psicologicamente elegante. Nas contas acima usei probabilidades iguais de saída para todos os cupões. Tudo o que eles têm que fazer é retirar da massa de cupões nestas condições, 11 cupões, um para cada agrupamento. Os que ficam podem ter probabilidades iguais de presença, mas os que se retiram serão em número absoluto bem definido de acordo com o número de prémios a atribuir. Por exemplo, admitindo que a minha sorte à primeira não é assim tão excepcional, só deveria existir ao todo, 3 Rossios, não mais. E a minha sorte inicial pode até ser a sorte do papalvo: afinal de contas, se a minha primeira reacção é aumentar o meu consumo para ver se apanho o cupão em falta (considerando que estava em jogo um carro), não seria inadmissível que "eles" tivessem salpicado o jogo com mais ruas Augustas do que o normal, precisamente com essa intenção. Até descobrir por amostragem que as coisas não eram como inicialmente pensava, já eles teriam conseguido a facturação de uma década comigo...

Deverei sentir-me decepcionado por todo este episódio? De forma alguma. Não existe nada mais curativo para lamentar uma oportunidade perdida, do que nos apercebermos que ela nunca existiu para começar. Aprendi que existe mais do que uma forma de jogar o monopólio, e pouco antes tinha descoberto uma nova demonstração para provar que as altitudes de um triângulo são concorrentes. Um muito bom dia no seu geral, somente estragado pelo 1:3 final da nossa selecção. Estou a sentir-me generoso.

Vou portanto regressar ao principio de tudo, ao meu título: quem quer cupões de monopólio do McDonalds? Tenho a Rua Augusta, a gare do Oriente, a praça da Republica e a avenida das Nações Unidas, quem quer?

[PS.: Esperem, não é a Rua Augusta que tenho mas a Rua das Amoreiras. Ia jurar que tinha a primeira, mas como é que ela mudou de nome?]

[PS.PS.: Esperem ainda mais, mas onde estava eu com a cabeça??? Não é assim que se fazem estas contas!!!! Se posso definir uma probabilidade de saída de um determinado cupão como fiz acima, não faz sentido definir a probabilidade de saída de múltiplos cupões sem definir o número de tentativas. As contas que apresentei acima para probabilidades iguais para cada saída, são um desastre, representando quando muito a probabilidade de apanharmos o MESMO e DETERMINADO cupão, 2, 3, 4 vezes seguidas... os meus parabéns para quem leu e vomitou a seguir.

Em vez disso, estamos perante um processo de Bernoulli, onde existe uma determinada probabilidade p=1/31 de sair um determinado cupão por evento. O número de tentativas N até sair um determinado cupão segue a distribuição geométrica, e a sua média E[N] é 1/p=31. Refazendo as contas:

Agrup. de 2 cupões: E[N2]=(31/2)+ E[N] = 46.5 ~ 12 Super McMenus
Agrup. de 3 cupões: E[N3]=(31/3)+ E[N2] = 56.8 ~ 14 Super McMenus
Agrup. de 4 cupões: E[N4]=(31/4)+ E[N3] = 64.6 ~ 16 Super McMenus

O raciocínio é que para conseguir um determinado bairro, é preciso conseguir primeiro um cupão qualquer do mesmo... depois de conseguido, tornamos-nos mais esquisitos nos cupões a apanhar, o que torna o processo progressivamente mais moroso. O ultimo leva sempre uns 12 Super McMenus mais ou menos.

Já o processo de sair um resultado qualquer é um jogo inteiramente diferente. Á primeira sai sempre um bairro mas não sabemos qual. Não precisamos portanto de esperar pelo primeiro cupão desse bairro, mas por outro lado, pode ser um dos agrupamentos maiores e mais morosos. Á segunda sai o mesmo ou outro bairro. No segundo caso, temos chances acrescidas porque senão acabarmos primeiro um dos bairros, acabamos o outro. E assim por adiante. Considerando a mistura dos vários tipos de agrupamento, este problema não me parece trivial e por agora, deixo-o à consideração de quem o quiser calcular, sem prejuízo de voltar a ele mais tarde. Seguro, seguro, é que o número médio de tentativas é inferior a 12!

Quanto é minha sorte de papalvo, ela mantêm-se rigorosamente igual ao valor que antes tinha calculado, 8 superMcMenus.


Deveria ter corrigido os cálculos do texto inicial? Porque é que apresento no mesmo texto, uma forma de fazer as coisas como se fosse correcta, e corrijo-a logo depois? Tenho várias razões mas a principal é um velho ditado de guerra: "mantém os teus amigos perto, e os teus inimigos ainda mais perto". Mesmo que a ilusão só tenha demorado os instantes de a escrever, a última coisa que quero esquecer-me é que posso facilmente ser iludido senão estiver precavido, e que há certas ilusões que me são convincentes, sendo preciso denunciá-las.

E não seria inteligente da minha parte, sendo este blog sobre os esquemas da minha mente (por isso se chama escópios e não "textosChatos" por exemplo), que o editasse de forma a parecer estar sempre certo desde o principio. A minha mente é a fonte e logo a primeira linha de defesa para todas as ideias, incluindo as más, e muito lixo vai aparecer aí primeiro. Não tenciono que este blog seja um espelho cor-de-rosa do mesmo.

quarta-feira, julho 05, 2006

"Juros altos é bom?"

Devo estar doente: cinco meses sem uma entrada no blog, e de repente escrevo três. O meu terceiro é sobre o editorial de Martin Avillez Figueiredo do Diário Económico de 2006/06/28, com o título "Juros altos é bom?". Será que o li bem? Será que ele o leu bem depois de o escrever? Porque o que este senhor escreve, depois descodificar as palavras que usa, é que a consequência dos juros altos vai ser a recessão interna, e isso é bom porque vai forçar a economia a racionalizar-se (particularmente porque vai ser obrigada a apostar no exterior). Estes raciocínios do tipo "quanto mais pior, melhor" nunca deixam de me espantar. Até admira que os médicos não tratem os seus doentes disparando sobre eles. Mas... não é essa a cura que estamos a sofrer à quatro anos? Os gurus da economia ainda querem mais recessão do que a que já tivemos?

Copyright e Máfia: Querem fechar o site Bezmonitor.com!

A notícia que mais me enojou hoje foi esta: Na Bulgária, uma editora local chamada ‘Trud’, propriedade do grupo alemão Westdeutsche Allgemeine Zeitung, procurou fechar o site bezmonitor.com, que se dedica a distribuir obras literárias em ASCII, alegando que detinha os copyrights das mesmas. Nada mais banal no que pareceria uma noticia sobre a guerra económica da moda, a luta contra a pirataria literária, não fosse o caso do site ser propriedade de um invisual, Victor Kirilov, e o seu propósito ser a da distribuição não-comercial de obras para serem lidas por cegos, usando o software apropriado.

A história poderia ter morrido cedo, já que o dono do site retirou as obras em questão no próprio dia en que foi notificadopela Trud, não fosse um bloggista amigo, Grigor Gatchev, ter-se indignado com a insensibilidade da editora e publicitado o episódio. É que aparentemente a lei búlgara suspende os direitos de copyright no caso de material para deficientes visuais, e nesse caso, a pressão da editora teria sido ilegal. E é aqui que as coisas se tornam feias: a editora não esteve com meias medidas e reage tentando censurar o bloggista e fechar o site; o bloggista tentou levar o caso à comunicação social búlgara e descobre que ninguém quer tocar nele, não só por ser incómodo, mas também porque o dono da Trud teria poderosas conexões na industria búlgara dos média; e existem suspeitas no ar de que a editora estaria a usar as ligações e métodos de coerção do antigamente (leia-se, do antigo regime comunista) para fazer valer as suas posições, incluindo ameaças judiciais, policiais, económicas, não só a este site mas também a todos os que poderiam se apresentar como competidores aos interesses da Trud.

Antes de continuar, queria deixar claro que só li até agora uma das partes, e mesmo essa leitura pode ter sido mal interpretada. O que transparece nesse relato é a história de uma sociedade oprimida, pobre, coagida, um relato em tudo similar ao que poderia ter lido na Reader's Digest há uns anos atrás a respeito das sociedades do Leste quando o comunismo ainda imperava. A diferença aqui é que agora os cães estão ao serviço do capital privado. O terrorismo de estado faz-se em nome da protecção da propriedade privada e dos direitos de cópia, o grupo alemão WAZ é simplesmente um dos gigantes dos média alemães, e como tal respeitado.

Mas comecei o anterior parágrafo com uma ressalva e mantenho-a: só conheço um dos lados. Sem desconfiar do discurso que li, a sensação de "dejá vue" associada a que me referi pode ter outra explicação: não se pode ser dissidente numa sociedade fechada sem antes se adquirir um espírito independente e desconfiado, estruturalmente anti-sistema, e não é por haver uma mudança de regime, que o mesmo é desarmado. Sem pretender pôr em causa a veracidade ou a boa fé do que é relatado, até que ponto os meus sentimentos podem estar a ser manipulados pela mesma "retórica" que conquistou o Ocidente para as causas da dissidência no passado?

Ainda assim, não é por haver explicação alternativa, que esta se torna verdadeira sobre aquela que é anunciada com todas as letras por aquele que está no terreno. Sempre achei irónico que as ideologias que originaram o antigo "império do mal" (segundo Reagan) tivessem nascido putativamente como reacção aos excessos do capitalismo. Depois de tanto anos submersos á propaganda de guerra fria, "esquecemos-nos" que este tem excessos, e acabamos por "acreditar" na nossa própria intrínseca "bondade". Nós estamos protegidos pelas nossas próprias expectativas, a Bulgária não. Existem "escolas" económicas do Ocidente que têm apontado para as revoluções em curso no leste como exemplos a seguir, seja a desregulamentação económica ou fiscal, seja o dumping social, tudo em nome de um milagroso patamar de competitividade abaixo do qual seríamos relegados para segundo plano onde viveríamos muito pior. Se me permitem o sarcasmo, devíamos seguir o concelho dessas escolas e olhar mesmo com atenção, porque protegidos ou não pelas nossas expectativas, é "isto" que as mesmas querem por arrastamento, para o nossa sociedade. Mas julguem por vocês mesmos. Leiam o blog.

Protocolo de estado: O problema da posição da Igreja (I)


(estas reflexões foram-me suscitadas por um comentário no Blog "Se". Se gostam de textos chatos, esta é a primeira parte de um)


O problema dos protocolos é simples e resume-se ao seguinte: se existir uma pessoa para ser cumprimentada, e um grupo de outras para cumprimentar a primeira, como devemos ordenar a sequência de cumprimentos?

Tem que haver uma ordem, ou os cumprimentos desabam na confusão... onde o cumprimentado desapareceria, ele que se pretende realçar sobre os outros (porque essa é a função da cerimónia). Em cerimónias públicas ou de estado, é automático ler nessa ordem, a "importância" que cada um tem face ao publico presente. Mas também podemos cinicamente pensar que a "importância" é criada pela ordem usada... em vez de reflectir o papel que cada um tem, a ordem pode sugerir um papel diferente. Se alguém cumprimentar em primeiro lugar, todos se perguntarão porquê, qual é a importância dele, se o mesmo deve passar a ser mais cortejado ou não... em tempos que já lá vão, isto era o jogo que se fazia e muitas fortunas foram feitas ou desfeitas desta maneira. Daí que parecendo de pilro, o problema do protocolo pode ser importante e muitos sejam picuinhas em relação a ele, não poucas vezes comparando as suas violações a golpes de estado.

O estado moderno é suposto ser neutro em relação aos seus administrados. Ele não pode exprimir preferências, e o ideal é que o seu número de animais mais iguais que outros, seja reduzido ao mínimo. Algumas figuras, porque pertencentes à orgânica do estado, aprestam-se a hierarquizações incontestáveis, outras nem tanto. O problema é que as primeiras, o presidente da republica, o primeiro ministro, etc, são muito poucas e cedo se esgotam. Quando o segundo grupo aparece, o publico ainda não está farto o suficiente para deixar a má língua descansar. Aparecessem depois da primeira centena e ninguém repararia na sua posição. Parece-me assim vantajoso extender a discussão do protocolo ao segundo grupo: uma vez este aceite, ele liberta as cerimónias das guerras de posicionamento, poupando tempo e conflitos. Mas essa guerra tem que ser travada pelo menos uma vez.

E chegamos ao cerne da questão actual: que lugar deve ocupar a igreja no protocolo de estado?

1º. Na Concordata entre o estado português e a igreja católica, estes são definidos como independentes e autónomos: Portugal não é um estado confessional. Isto significa que a igreja não tem lugar na orgânica do estado... ela pertence ao segundo grupo. Ainda bem que isto assim é, até para a própria igreja. Não há pior armadilha para a missão desta que conquistar ou ser chamada a um lugar de governação de um país.

2º. Por não pertencer à orgânica do estado, o seu lugar no protocolo de estado é muito claro: nenhum.

3º. Esta conclusão não implica nenhum desrespeito pela mesma, até porque nessa posição está muito bem acompanhada por muito boa gente e instituições.

4º. A Concordata não especifica qualquer exigência a respeito de questões protocolares de estado.

Nem poderia porque, uma vez que o fizesse, estaria aberta a que os seus próprios protocolos e rituais estivessem sujeitas a igual intromissão por parte do estado (por uma questão de reciprocidade).

Estas conclusões não resolvem no entanto o problema da ordenação, apenas tornam claro que ele é um problema mais geral, impermeável às considerações especiais sobre apenas uma ou duas entidades. A solução para a ordenação tem que ser uma de princípio, aplicável tanto à Igreja como, por exemplo, à ordem dos médicos ou a qualquer outra força civil que se queira fazer representar.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

O dia em que a terra nevou


<Este poema não é um poema>

Este Domingo nevou
flocos de neve pairando no ar
cristais de gelo que o vento deposita e cedo se sublimam
quais penas de anjo, ilusões que desaparecem no toque da realidade

Há meio século que não havia
e uma légua que não a via
Por tudo isto tenho que agradecer
Mas não sabendo a quem, a todos vou bem-dizer

Benditos os kondratiev da meteorologia,
que vez enquanto nos dão um nevão,
e outras, um vermelhão

Bem-ditos os ambiciosos e oportunistas,
que por ingénuos, nos tentam convencer
que com o que acumulam para comprar Mercedes,
um dia repararão o mal que vão fazer

E bem-dito seja Cavaco Silva,
que com uma campanha tão calculista e fria
pôs o país a nevar em sete dias
(mas vadre retro o arrefecimento da economia)

Este Domingo nevou
flocos de neve pairando no ar
cristais de gelo que o vento deposita e cedo se sublimam
quais penas de anjo, ilusões que desaparecem no toque da realidade


Este domingo nevou. Foi uma coisa especial que nunca tinha visto, já que há cinquenta e quatro anos que não nevava na minha terra e sou mais novo que isso. Quando a repetição de um evento desafia a memória dos velhos, ele tem o sabor de um milagre, de uma coisa maravilhosa e sagrada que nunca mais se repetirá, de um acontecimento fulcral na vida de uma pessoa com a criação de um genuíno antes e um genuíno depois. Hoje vivo no depois de ter nevado no Montijo. Antes vivia no antes.

Pode parecer estranho que se diga isto considerando que não foi a primeira vez que nevou, nem que tenha sido a primeira vez que tenha visto nevar. Mas o mundo onde vivemos é essencialmente mental, e havendo a ilusão de continuidade com quem nos antecedeu, não deixa de objectivamente ter um início e um fim. Neste mundo, cada categoria de eventos tem uma primeira vez (ou nenhuma), e é o confronto desta com o nosso conhecimento directo da frequência dos eventos que lhe são alternativos que estabelece a nossa relação de espanto, de experiência única que nunca mais se repetirá. Não admira que os "jovens" sejam tão atreitos a fanatismos e conversões: têm a experiência suficiente para determinar o que é comum mas não a idade suficiente para assumir o cinismo de que tudo acontece, tudo se repete, mais tarde ou mais cedo. Mas que dizer de uma quase vida à espera do maravilhoso, aprender a dura lição do que dela não pode ser esperado, e depois ser desenganado?

Na minha terra,...
Já vi cometas,
já vi um eclipse solar,
já vi tempestades dantescas,
só agora vi nevar...

Este Domingo nevou
flocos de neve pairando no ar
cristais de gelo que o vento deposita e cedo se sublimam
quais penas de anjo, ilusões que desaparecem no toque da realidade


Foi um momento inesquecível por boas e más razões. Um domingo frio começando com uma chuva gelada,... bem a propósito, porque me questionava se havia de correr ou não, sem vontade nenhuma. Um tempo de nuvens brancas e uma certa claridade húmida, molhada. Referências a neve noutros locais, os habituais, e os desejos recorrentes da minha mãe em estar neles para ver a neve a cair. Tenho um pequeno copo onde estou a criar feijões e grãos, e onde as raízes já arrebentaram, e um pensamento, a minha máquina fotográfica está com as baterias descarregadas, tenho que carregá-las para fotografar os ditos, se não uso este diário ao menos que o use como foto-diário de uma plantinha. Dito e Feito. E um grito, "Ó P., vem ver, é a neve, está a cair!!!". ...flocos de neve branca pairando no ar... era extraordinário, conseguia-se distinguir claramente os cristais a cair, a rodopiar, a voar, esvoaçar, flutuar,... desaparecer. Eram grande e distintos, com mais que tempo para os ver a pairar. Percebi o que nunca tinha percebido antes, que a forma dos flocos de neve os aproximava a pequenos pára-quedas, tornando-os em pequeninas folhas brancas caindo das copas no outono das nuvens. No outono, há certos dias no parque do Montijo que são assim: o céu enche-se de folhas a cair, suavemente, rodopiando, dando voltas, brincando com as crianças. O chão nesses dias enche-se de dourado e castanho, montinhos crepitantes que apetece explodir correndo por eles, e apercebo-me agora, de flocos de neve das árvores. Esses são os nossos nevões, sempre os tivemos e nunca me apercebi, os nossos dias especiais.

O que vi foi, muito parecido ao que já assisti nesses dias: folhas de neve a cair, ora rápidas, ora tomando o seu tempo, ao longe, um redemoinho contra as árvores do parque, pausando, continuando, umas vezes suspendendo-se como se retivessem a respiração, outras carregando vorazmente contra o asfalto da estrada, para desaparecerem como se nunca tivessem existido, e nisto diferiam dessa minha outra experiência... as minhas neves no parque amontoavam-se até os jardineiros as tomarem de ponta, mas estas eram uma ilusão do ar.

***

Agora que meti alguma distância entre mim e o acontecimento, espanto-me também com o tamanho dos cristais. A despeito da universalidade das fotografias que os mostram, sempre os pensei microscópicos, Estava errado. Os que vi talvez tivessem mais de meio centímetro de diâmetro. Também era subconscientemente céptico acerca do aspecto achatado dos mesmos. Se alguma o tivesse aceitado, já me teria perguntado porquê, e isso nunca aconteceu. Porquê? Porque é que eles são achatados? E porque é que eles, sendo irrepetíveis, têm uma quase perfeita simetria hexagonal? E porque é que pairam, quando podiam cair rapidamente aproveitando a secção do cristal com menos fricção ao ar?

Será que rodopiam enquanto caiem, como pequenos surikens? Isso poderia explicar várias coisas: um eixo de rotação define um plano privilegiado de crescimento, e a sua preservação por efeito giroscópico manteria o cristal numa posição de maior resistência ao ar na queda, se inicialmente calhasse aquela a acontecer, com a consequente velocidade terminal menor do que a esperada. Outra hipótese seria a de uma superfície não achatada mas ligeiramente abaulada, como uma asa ou um disco de frisby, criando forças aerodinâmicas aptas a virar o floco se este ganhasse velocidade na direcção do achatamento. Qualquer diferença de curvatura entre as duas faces seria suficiente para virar o cristal em direcções de maior travagem.

De resto tudo isto são considerações para fluidos não-turbulentos ou semi-estáticos face a um cristal bem mais pesado que o ar. A atmosfera não é assim, e desde que o floco ganhasse uma área desproporcional em relação ao seu peso, ele ficaria altamente sensível a ser levado pelas suas correntes... como uma folha, ou um plástico num redemoinho de vento.

Com tudo isto, não é difícil passar para o mistério seguinte: o que seria da terra se a neve não fosse assim? As consequências do que escrevi são óbvias: o formato dos flocos é tal, que os mesmos são constantemente amortecidos até ao chão. Consequentemente, a energia potencial deles deve ser distribuída mais homogeneamente pela atmosfera ao longo das suas quedas. Se caíssem mais depressa, a energia despendida por fricção seria maior na fase terminal dos mesmos, onde a velocidade seria maior e a lei do quadrado faria valer os seus pergaminhos. O ar seria mais aquecido perto da superfície. Além disso, com energias de impacto maiores, é crível que os flocos perdessem a sua forma, ou mesmo derretessem: a primeira levando a grãos de gelo com pouca capacidade mecânica de aderência (por meio do entrelaçamento dos dendrites que neste caso ficariam partidos, em oposição ao poder adesivo do gelo por meio das pontes de hidrogénio), o segundo a gotas líquidas. Em ambos os casos posso imaginar uma maior fluidez nos resultados do choque, com consequências na capacidade de retenção de água no solo para a mesma geometria de terreno (basta pensar numa encosta e nas diferentes propensões para a avalanche de uma acumulação de ganchos, esferas ou gotas de água... as avalanches das últimas acontecem tão rapidamente que nem sequer vemos o escoamento da água como aquilo que é, uma avalanche a partir de uma tentativa de retenção insustentável). A combinação destes dois mecanismos, maior temperatura no solo e menor resistência às avalanches, levaria a uma menor retenção da água e consequente necessidade de escoamento. Acresce que a atmosfera superior manter-se-ia mais fria do que poderia ser, promovendo a condensação da sua água. Isto é um cenário para cheias relâmpago e água em permanente escoamento, abundância catastrófica no inverno e seca generalizada nos restantes meses. Não nos esqueçamos que os rios costumam ser alimentados pelas neves acumuladas nas serras e montanhas. Pelas suas propriedades inerentes (reflexão solar, baixa conductividade devido ao ar aprisionado, etc), a neve derrete gradualmente, proporcionando um fornecimento relativamente estável de água ao longo do ano. E tudo porque a natureza decidiu criar obras de arte numa tela de ar.

***

Para terminar, uma nota sobre as ainda não referidas más razões... a anedota final que faltava. É curioso como os "tempos modernos" podem estragar qualquer milagre. A um evento desta natureza, não bastava ser inesquecível, não senhor, tinha que ser objectivamente inesquecível. Comecei o dia por suspeitar que iria precisar da máquina fotográfica (que a propósito, ainda não usei para o fim que referi no início, para feijões) e pus as suas baterias a carregar. Quando começou o nevão, tinha que fotografá-lo, claro. Mas as baterias ainda não estavam carregadas. Alguns dos outros conjuntos de bateria estavam bons? Não. O que tinha era suficiente? Talvez, mas, vim a descobrir que os cartões só tinham espaço para uma fotografia. Toca de descarregá-la depressa no computador (se ainda não o adivinharam ou se não a assumiram implicitamente, di-lo-ei explicitamente, é uma máquina digital). Desastre, o descarregamento das fotos descarregou-me definitivamente as pilhas. Corro para o telemóvel da minha mãe. Desastre, memória cheia.

Noutros tempos, teria saído para a rua e experimentado a sensação de uma "noite de natal" à tardinha. Teria me lembrado de ir buscar a cuba de gelo ao frigorífico para capturar flocos de neve, teria aberto todos os meus sentidos á experiência, teria feito um desenho, teria "grokado" o primeiro nevão da minha terra natal em meio século. Teria sido objectivamente inesquecível. O que não teria feito era passar a maior parte dos escassos vinte minutos que o fenómeno durou a procurar desesperadamente meios de pôr a funcionar uma máquina fotográfica. Como se sem o testemunho desta, não tivesse vivido a experiência. Mal vão os tempos...

Este Domingo nevou
flocos de neve pairando no ar
cristais de gelo que o vento deposita e cedo se sublimam
quais penas de anjo, ilusões que desaparecem no toque da realidade

domingo, janeiro 22, 2006

Equação para um presidente.

Como é que se escolhe um presidente da republica?

Esta pergunta, que todos os Portugueses em idade de votar devem neste momento estar a fazer (se não estão, deviam) não é nem pode ser fácil. Trata-se da primeira figura do estado por ordem hierárquica, o mais alto magistrado da nação e a representação por excelência, de Portugal no exterior, De entre todos os corpos eleitos do estado, é também aquele que menos controlos "externos" sobre o seu comportamento possui. Pede-se a ele que seja o supremo juiz cuja decisão sobre questões polémicas seja final e tal papel exige que a nenhuma outra instituição ele se subordine nas suas considerações normais. É este papel que constitui a fonte do seu grande poder e também aquele que torna crucial a boa escolha daquele ou daquela que o deve exercer: uma vez eleito, só a sua consciência o separa do caos e da desordem da desobediência civil.

Por todas estas razões, que não são muitas mas são importantes, uma boa escolha é importante. Como referi, a presidência da república é de todas as instituições eleitas, aquela que é mais independente e menos subordinada a qualquer outra, e consequentemente, aquela cuja conclusão de mandato é praticamente certo. Uma vez que o escolhamos, é uma escolha para cinco anos, não havendo espaço para arrependimentos. Em contraste, se nos arrependermos da escolha do partido em que votámos, podemos sempre convencer o presidente da república a dissolver a assembleia. Esta é a medida exacta da diferença de poderes de cada um. E porque esta é a escolha mais importante de todas, feita para que nos possamos sentir à vontade em tomar outras escolhas sem a ameaça de arrependimentos permanentes, escolheu-se para ela um método de eleição que não se aplica a mais nenhum outro corpo de estado: dentro do principio de que na maioria do povo, está a melhor razão, a presidência do estado é a único cargo público a ser eleito numa votação uninominal.

Mas como é que se escolhe um presidente da republica?

Escolhe-se. Não se pode deixar de escolher.

Não me quis alongar na resposta anterior, porque no fundo tudo se resume a isso: a importância da escolha não deve inibir ninguém de a exercer, porque paradoxalmente, mais importante que escolher bem, ainda é o próprio acto de escolher. Uma escolha implica preocupação de quem escolhe por quem escolhe, ela implica uma agenda pessoal do que se espera, conscientemente ou não, e contra a qual se mede os actos do eleito. E esta medição tem que ocorrer obrigatoriamente: se disse antes que só a consciência do eleito o separa do caos e da desobediência civil, é o potencial de existência destes últimos que obriga á existência de uma consciência do parte do primeiro. Esse é um dos pilares (não escritos) das democracias representativas: a autoridade atribuída a cada representante eleito é temporária e condicional, e se subvertida por alguém eleito, arrisca-se a ser retirada nas ruas. É a bomba atómica do povo, aquela que nunca deve ser usada mas existe. O primeiro passo para nunca ser usada é haver a consciência de que o pode ser. É obrigar o político a reconhecer que os seus eleitores se preocupam, e que nenhuma eleição é um cheque em branco contínuo. E o primeiro passo para isso é votarmos!!!

Votar.

Pode parecer estranho que se defenda que mesmo um mau voto é melhor que nenhum voto. No entanto, um voto errado só o é na medida em que em que vota enganado, e se sentindo enganado, não se reaja. É legítimo errarmos. Aliás, essa é a razão porque temos eleições de quatro anos: as situações mudam, e o que parece ser certo, deixa de o ser ou se revela errado. A ideia é aprendermos com os nossos erros e singrarmos melhor no futuro. E se for importante atribuir o voto à pessoa certa, considerem que erros sempre haverão, e se se erra em detrimento do nosso candidato correcto, também há quem erre a favor dele. E é matematicamente certo que uma taxa de erro não muito elevada só poderá quanto muito facilitar a existência de uma segunda volta, onde os erros poderão ser corrigidos e esclarecidos. Esta certeza (que poderei desenvolver noutra altura) só é desmentida se houver um enviezamento do voto por motivos "desonestos"... mas aqui entra-se no campo da nossa "bomba atómica".

terça-feira, janeiro 10, 2006

Escópios


Escópios... eis uma (não-)palavra interessante. Nascida do desespero de encontrar algo não usado com que me identificasse antes do fim do dia, a palavra evoca microscópios e telescópios, osciloscópios e outros cópios, complexos e sofisticados instrumentos de observação do nosso mundo, ciência pura. Eu posso viver com isso.

É uma palavra ainda mais interessante porque, não existe! É curioso que sendo o sufixo de tantos bons instrumentos, ela não designe uma categoria genérica dos mesmos, mas é verdade, procura-se no dicionário de língua Portuguesa (Porto Editora 5ªEd.) e ela não está lá. O melhor que se consegue é descobrir que o sufixo "escópio" deriva do grego "skopeîn", mas nem o significado deste consegui. Uma pesquisa na Net revela mais. Por exemplo, parece ser um termo a cair em desuso em instrumentação médica. Também encontrei referências ao mesmo em páginas espanholas. Foi um medo real: temia que pudesse vir a descobrir que a palavra era vulgar noutras línguas e que fosse reservada pelas minhas suspeitas sobre o BlogSpot. No fim, vim a descobrir o seu significado no sítio mais improvável, num documento sobre a mitologia dos Pokemons. Nem sequer foi no próprio documento (inalcançável), mas na cache html que o google mantinha sobre ele. Escópios significa "Visor".

Mas que apropriado.

Sai "Caminhadas", entram "visores" sobre o que penso e onde caminho. Tenho farol outra vez.

domingo, janeiro 08, 2006

Caminhadas

Todas as aventuras começam com um passo. As minhas começam sempre por uma palavra. Ela é o meu farol, a que define o que penso fazer e como fazer, o meu heterónimo do momento. Ao nomeá-la adquiro um pouco de poder sobre o meu destino, através do compromisso de aderência ao seu significado que daí advém.

No caso presente, a palavra é escópios.

Não era para sê-lo. Desde o momento em que algum tempo atrás quis substituir a palavra weblog por outra, que tenho pensado em muitas. A maior parte não deve ter sequer aflorado a superfície da minha consciência, outras, guardei-as por serem demasiado boas e ter medo que mas roubassem, as restantes eram simplesmente pretensiosas ou arriscadas demais, No fim decidi por um termo que fosse vulgar mas ao mesmo carregado de múltiplos significados. Pensei que tinha tido uma sorte louca quando pesquisei e não o encontrei a ser usado. O termo era "caminhadas". A ideia não era escrever sobre caminhadas, longe disso. Era antes sobre o que me acontece quando caminho. Na minha terra existe um parque bonito, muito simpático, onde costumo levar o meu cão, os meus sobrinhos ou correr. As oportunidades ou obrigações de o percorrer são numerosas, e daí que ele se tenha tornado o meu espaço de eleição para reflexões, Não poucas soluções e ideias nasceram lá, e se tiver que correr periodicamente mais de duas voltas em volta dele, porque não caminhar um tema também para o weblog?

E foi assim que nasceu o "Caminhadas", com direito a introdução e tudo. Quero fazê-lo bem "espontâneo" e interessante, portanto, toca de preparar textos para ele com um mês de antecedência sobre a prevista chegada da banda-larga a casa. Quero colocar algumas fotografias e desenhos, portanto, toca de prepará-los... ainda não tenho um scanner mas ao longo de uma ano acumulei um arquivo de 3 Gbytes de fotografias ao mesmo parque... mesmo a jeito. Um aspecto verdadeiramente importante é que ele deve permitir o uso de fórmulas, expressões matemáticas, até mesmo objecto mais esquisitos. A minha natureza impede-me de recusar uma resposta a qualquer um que me ponha uma pergunta, e fá-lo-ei na linguagem que pensar ser acessível ao meu arguente, mas nos temas que me disserem respeito, não quero ter restrições de qualquer espécie para abordá-los. E conto falar muito, "caminhar" muito. E no dia 1 de janeiro, dou o meu tiro de partida... e parto as pernas.

Tendo escolhido o BlogSpot para Blog Server, inicio o simples processo de registo em 3 passos... nada seria mais fácil. Adiro ao GMail para ter uma conta de correio na casa-mãe da BlogSpot não vá haver vantagens no processo, testo um nome de login que obviamente é recusado, testo outro, encontro finalmente um que não é usado, lanço o nome do blog que quero e...

Não percebo. Vou à caixa de hiperligações do browser e digito "http://Caminhadas.blogspot.com", nada, a mesma coisa que uns meses atrás. Mas o Blogspot recusa-se a deixar usar este nome, diz que já está ocupado. Ocorre-me várias ideias, várias razões, a mais cínica, a de que a BlogSpot reservaria as melhores palavras de antemão com vista à sua exploração comercial por quem desse mais. É uma tendência aberrante e preocupante que neste mundo estranho, até as palavras estão a saque, e qualquer dia não poderemos abrir a boca sem ter que pagar direitos de copyright. Mas não vou morder a mão dos que generosamente me oferecem uma oportunidade gratuita para usufruir deste tipo de serviço, e não me cabe a mim indignar-me se o modelo de negócio destes me atrapalhar, desde que a minha dignidade não seja atingida. Só que atrapalhado fiquei eu, a introdução para o caminhadas estava feita (à dois meses) e era boa, e só faltava 5 horas para o fim de um dia demasiado bom para se perder enquanto data de lançamento, o primeiro dia do ano.

Mais tarde apercebi-me que os nomes que o Blogger recusava era todos nomes que já constituíam partes de nomes de outros bloggers. "Caminhadas" existia como "Caminhadas do Vale", e outros recusados que me lembrei, eram igualmente nomes de pleno direito ou termos ligados por hífens em blogges de nomes compostos . É possível que seja um mecanismo de defesa contra o abuso de nomes respeitados e instalados, não sei. Mas um dia vou querer saber.

Quanto ao nome que escolhi finalmente, apareceu-me... numa caminhada no parque, nessa mesma noite. O desespero pode ser uma boa mãe, mas aquelas caminhadas são um pai melhor. E antes que chegasse a meia-noite, tinha o blogg lançado.

Falarei deste novo nome noutra altura. Por hoje limitar-me-ei a fazer uma pequenina alteração ao título escolhido e voltar a reincorporar nele o que pensei não poder meter nele: o nome "Caminhadas"...

domingo, janeiro 01, 2006

Introdução

Manda a (minha) tradição, que sempre que inicie um projecto de escrita, escreva uma introdução. É algo que tenho que fazer, como se fosse uma espécie de contrato com os tempos vindouros, um compromisso em continuar a escrever periodicamente e sobre certos assuntos, e daí que sinta a necessidade em os especificar. Quase sempre é um tarefa inglória. Vez e vez, a introdução é a maior peça escrita e a mais bem pensada, com o esforço perverso de ter exigido tanta energia que não sobra nenhuma para o que se quer realmente contar a seguir. Quando dou por mim, o projecto está abandonado. Por isso, tentarei ser breve desta vez.

Este weblog é um visor sobre as minha caminhadas, figurativa e literalmente. Nele mostrarei as minhas ideias e ocorrências, reverei “lugares” aonde já fui, verei outros, e partilharei os meus conhecimentos e especulações. É um registo que sinto uma necessidade intima de fazer, e é publico pela mesma razão. Todas as contribuições que me revelem outras visões válidas serão bem vindas.