quarta-feira, julho 05, 2006

Protocolo de estado: O problema da posição da Igreja (I)


(estas reflexões foram-me suscitadas por um comentário no Blog "Se". Se gostam de textos chatos, esta é a primeira parte de um)


O problema dos protocolos é simples e resume-se ao seguinte: se existir uma pessoa para ser cumprimentada, e um grupo de outras para cumprimentar a primeira, como devemos ordenar a sequência de cumprimentos?

Tem que haver uma ordem, ou os cumprimentos desabam na confusão... onde o cumprimentado desapareceria, ele que se pretende realçar sobre os outros (porque essa é a função da cerimónia). Em cerimónias públicas ou de estado, é automático ler nessa ordem, a "importância" que cada um tem face ao publico presente. Mas também podemos cinicamente pensar que a "importância" é criada pela ordem usada... em vez de reflectir o papel que cada um tem, a ordem pode sugerir um papel diferente. Se alguém cumprimentar em primeiro lugar, todos se perguntarão porquê, qual é a importância dele, se o mesmo deve passar a ser mais cortejado ou não... em tempos que já lá vão, isto era o jogo que se fazia e muitas fortunas foram feitas ou desfeitas desta maneira. Daí que parecendo de pilro, o problema do protocolo pode ser importante e muitos sejam picuinhas em relação a ele, não poucas vezes comparando as suas violações a golpes de estado.

O estado moderno é suposto ser neutro em relação aos seus administrados. Ele não pode exprimir preferências, e o ideal é que o seu número de animais mais iguais que outros, seja reduzido ao mínimo. Algumas figuras, porque pertencentes à orgânica do estado, aprestam-se a hierarquizações incontestáveis, outras nem tanto. O problema é que as primeiras, o presidente da republica, o primeiro ministro, etc, são muito poucas e cedo se esgotam. Quando o segundo grupo aparece, o publico ainda não está farto o suficiente para deixar a má língua descansar. Aparecessem depois da primeira centena e ninguém repararia na sua posição. Parece-me assim vantajoso extender a discussão do protocolo ao segundo grupo: uma vez este aceite, ele liberta as cerimónias das guerras de posicionamento, poupando tempo e conflitos. Mas essa guerra tem que ser travada pelo menos uma vez.

E chegamos ao cerne da questão actual: que lugar deve ocupar a igreja no protocolo de estado?

1º. Na Concordata entre o estado português e a igreja católica, estes são definidos como independentes e autónomos: Portugal não é um estado confessional. Isto significa que a igreja não tem lugar na orgânica do estado... ela pertence ao segundo grupo. Ainda bem que isto assim é, até para a própria igreja. Não há pior armadilha para a missão desta que conquistar ou ser chamada a um lugar de governação de um país.

2º. Por não pertencer à orgânica do estado, o seu lugar no protocolo de estado é muito claro: nenhum.

3º. Esta conclusão não implica nenhum desrespeito pela mesma, até porque nessa posição está muito bem acompanhada por muito boa gente e instituições.

4º. A Concordata não especifica qualquer exigência a respeito de questões protocolares de estado.

Nem poderia porque, uma vez que o fizesse, estaria aberta a que os seus próprios protocolos e rituais estivessem sujeitas a igual intromissão por parte do estado (por uma questão de reciprocidade).

Estas conclusões não resolvem no entanto o problema da ordenação, apenas tornam claro que ele é um problema mais geral, impermeável às considerações especiais sobre apenas uma ou duas entidades. A solução para a ordenação tem que ser uma de princípio, aplicável tanto à Igreja como, por exemplo, à ordem dos médicos ou a qualquer outra força civil que se queira fazer representar.

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