quinta-feira, julho 13, 2006

Desonestidades Intelectuais: A propósito da Fábrica da GM da Azambuja

Se à algo que não posso deixar passar em branco é a desonestidade intelectual. Por desonestidade intelectual entendo a defesa ou o ataque de ideias com recurso a factos conjunturais onde há partida não existe clarificação suficiente para os associar à ideia em questão. A desonestidade intelectual abunda a todos os níveis. Numa sociedade com altos graus de sofisticação como a nossa, as questões que diferenciam cada um são tão de pormenor que se tornam impróprias para vender... o exagero, a deformação, e sim, a desonestidade intelectual tornam-se assim a arma principal de venda. Daí que a encontremos em vendedores, na publicidade, políticos, comentadores, mesmo eu que a critico não estou imune de a usar. Mas onde não a suporto realmente é em jornais.

Vem isto a propósito da clarificação prestada pelos responsáveis da GM sobre as razões do fecho da fábrica de Azambuja. As razões são claras: a saturação do mercado e as dificuldades da empresa obrigam ao corte de custos fixos, nomeadamente a fusão de instalações fabris para aproveitamento total dos turnos... com isto, a GM reconhece implicitamente que não vê a sua posição no mercado "regional" a aumentar de forma a aproveitar o sua capacidade excedentária de produção; e a logística de fornecimentos, claramente desvantajosa para a fábrica da Azambuja. Esta ultima caracteriza-se por a cadeia de fornecedores em apoio à fábrica não ser tão eficiente como para outras fábricas a manter. Como dizia a administração, o fecho tem a haver com factores externos sobre os quais a Azambuja não tem controlo.

A leitura imediata daqui é que nenhuma das razões principais do fecho tem a haver com uma alegada falta de produtividade dos seus trabalhadores, ou supostos altos salários por eles auferidos. Essa é uma dedução directa das palavras da GM, porque estes são factores onde a Azambuja podia ter uma palavra a dizer. De resto, tal argumento seria incoerente com a oferta de transferência de emprego para trabalhadoras da fábrica, para Saragoça.

E isto é engraçado.

Porque não há muito tempo, não foram poucos os "estudos" e as opiniões nos jornais tentando mostrar que a responsabilidade do fecho estava no comportamento dos seus trabalhadores. Lembro-me inclusive de ler comparações entre estes e os da Auto-Europa, onde estes teriam optado por garantir o seu emprego a longo prazo, e os primeiros teriam privilegiado os ganhos salariais a curto prazo. Os acontecimentos erigiam-se assim em casos-estudo da razão porque os trabalhadores de uma empresa não deviam estar demasiado atados aos "privilégios" arrecadados no passado, sob risco de perderem tudo. Nada de mais conveniente à classe empresarial, e também nada de mais intelectualmente desonesto... porque o exemplo principal afinal não o suporta.

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