quarta-feira, julho 05, 2006

Copyright e Máfia: Querem fechar o site Bezmonitor.com!

A notícia que mais me enojou hoje foi esta: Na Bulgária, uma editora local chamada ‘Trud’, propriedade do grupo alemão Westdeutsche Allgemeine Zeitung, procurou fechar o site bezmonitor.com, que se dedica a distribuir obras literárias em ASCII, alegando que detinha os copyrights das mesmas. Nada mais banal no que pareceria uma noticia sobre a guerra económica da moda, a luta contra a pirataria literária, não fosse o caso do site ser propriedade de um invisual, Victor Kirilov, e o seu propósito ser a da distribuição não-comercial de obras para serem lidas por cegos, usando o software apropriado.

A história poderia ter morrido cedo, já que o dono do site retirou as obras em questão no próprio dia en que foi notificadopela Trud, não fosse um bloggista amigo, Grigor Gatchev, ter-se indignado com a insensibilidade da editora e publicitado o episódio. É que aparentemente a lei búlgara suspende os direitos de copyright no caso de material para deficientes visuais, e nesse caso, a pressão da editora teria sido ilegal. E é aqui que as coisas se tornam feias: a editora não esteve com meias medidas e reage tentando censurar o bloggista e fechar o site; o bloggista tentou levar o caso à comunicação social búlgara e descobre que ninguém quer tocar nele, não só por ser incómodo, mas também porque o dono da Trud teria poderosas conexões na industria búlgara dos média; e existem suspeitas no ar de que a editora estaria a usar as ligações e métodos de coerção do antigamente (leia-se, do antigo regime comunista) para fazer valer as suas posições, incluindo ameaças judiciais, policiais, económicas, não só a este site mas também a todos os que poderiam se apresentar como competidores aos interesses da Trud.

Antes de continuar, queria deixar claro que só li até agora uma das partes, e mesmo essa leitura pode ter sido mal interpretada. O que transparece nesse relato é a história de uma sociedade oprimida, pobre, coagida, um relato em tudo similar ao que poderia ter lido na Reader's Digest há uns anos atrás a respeito das sociedades do Leste quando o comunismo ainda imperava. A diferença aqui é que agora os cães estão ao serviço do capital privado. O terrorismo de estado faz-se em nome da protecção da propriedade privada e dos direitos de cópia, o grupo alemão WAZ é simplesmente um dos gigantes dos média alemães, e como tal respeitado.

Mas comecei o anterior parágrafo com uma ressalva e mantenho-a: só conheço um dos lados. Sem desconfiar do discurso que li, a sensação de "dejá vue" associada a que me referi pode ter outra explicação: não se pode ser dissidente numa sociedade fechada sem antes se adquirir um espírito independente e desconfiado, estruturalmente anti-sistema, e não é por haver uma mudança de regime, que o mesmo é desarmado. Sem pretender pôr em causa a veracidade ou a boa fé do que é relatado, até que ponto os meus sentimentos podem estar a ser manipulados pela mesma "retórica" que conquistou o Ocidente para as causas da dissidência no passado?

Ainda assim, não é por haver explicação alternativa, que esta se torna verdadeira sobre aquela que é anunciada com todas as letras por aquele que está no terreno. Sempre achei irónico que as ideologias que originaram o antigo "império do mal" (segundo Reagan) tivessem nascido putativamente como reacção aos excessos do capitalismo. Depois de tanto anos submersos á propaganda de guerra fria, "esquecemos-nos" que este tem excessos, e acabamos por "acreditar" na nossa própria intrínseca "bondade". Nós estamos protegidos pelas nossas próprias expectativas, a Bulgária não. Existem "escolas" económicas do Ocidente que têm apontado para as revoluções em curso no leste como exemplos a seguir, seja a desregulamentação económica ou fiscal, seja o dumping social, tudo em nome de um milagroso patamar de competitividade abaixo do qual seríamos relegados para segundo plano onde viveríamos muito pior. Se me permitem o sarcasmo, devíamos seguir o concelho dessas escolas e olhar mesmo com atenção, porque protegidos ou não pelas nossas expectativas, é "isto" que as mesmas querem por arrastamento, para o nossa sociedade. Mas julguem por vocês mesmos. Leiam o blog.

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