quarta-feira, julho 12, 2006

Quem quer cupões do Monopólio?

No sábado, fiz algo que só faço talvez de ano a ano: fui ao McDonalds. Lá deparei-me com um curioso concurso baseado no monopólio, compra-se menus, ganha-se cupões que tanto podem ser um prémio directo, como representar casas de monopólio. Tal como neste jogo, a ideia seria coleccionar agrupamentos ou bairros, que poderiam ser trocados por prémios depois. O concurso seguia a escala de valores do jogo português: Ao Rossio e a Rua Augusta por exemplo, o bairro mais caro e potencialmente mais valioso do jogo, correspondia a atribuição de 1 entre 3 carros, aos restantes ajuntamentos correspondiam mais prémios mas de menor valor.

Qual não foi à minha sorte quando à primeira, saiu-me a Rua Augusta entre 4 cupões? Sorte demais ou de menos, porque o concurso terminava no dia seguinte e não há tempo para empanturrar-me de mais hamburgers, mas não deixei de pensar que era um concurso muito simpático. Com efeito, ainda que as hipóteses de sair um bairro especifico sejam diminutas, as hipóteses de sair um qualquer não são, como vos poderá dizer qualquer jogador do monopólio ao fim de algum tempo de jogo. Ainda assim, o mecanismo de extracção é diferente, pelo que façamos as contas.

No monopólio, existem 10 grupos ou bairros organizados da seguinte forma:

3 de 2 ruas ou casas
7 de 3 ruas ou casas
1 de 4 ruas ou casas
--------------------
31 ruas ou casas (entre 31 ou 40)

As restantes casa do tabuleiro pertencem a castigos e recompensas à sorte: prisão, vá para a prisão, casa de partida (receba X), caixa de previdência, etc). Não sei quantos cupões diferentes estão em jogo, mas posso especular sobre dois cenários diferentes: num deles, as casas a mais foram transformadas em prémios directos (para respeitar o principio do jogo), noutro, os prémios directos não estão na mesma proporção em relação a essas casa. O ultimo cenário é o mais provável ou teríamos em média, quase um prémio directo por cada super McMenu (este dava 4 cupões, o McMenu dava 2... penso que eram os menus, e não as batatas fritas e refrigerantes que davam o prémio). Isto é de resto académico, porque aumentar o número de cupões com recurso a prémios directos é sempre vantajoso por mim, e paga-se a si próprio. Trabalhar com o cenário mais favorável à saída de bairros pode não ser o mais vantajoso pelo que usarei este... já que tudo o que vier a mais é bónus. A probabilidade de sair um bairro determinado é portanto:

Agrupamento de 2 ruas ou casas: (1/31)^2 = 0.10405% ~ 1 em 240 Super McMenus
Agrupamento de 3 ruas ou casas: (1/31)^3 = 0.00336% ~ 1 em 7748 Super McMenus
Agrupamento de 4 ruas ou casas: (1/31)^4 = 0.00011% ~ 1 em 230880 Super McMenus

Já está, se quisesse que saísse um determinado prémio, os números acima seriam o número médio de Super McMenus que teria que consumir até o mesmo sair. Podem ser mais, ou ser menos. Mas a probabilidade de sair um prémio qualquer é maior:

prémio qualquer = 3(1/31)^2+7(1/31)^3+(1/31)^4 = 0.336% ~ 1 em 74 Super McMenus

E a probabilidade então de me sair um carro se já tiver a rua Augusta, é abismalmente melhor:

CARRO!!! = (1/31) = 3.2% ~ 1 em 8 Super McMenus

À volta de 30 a 40 euros (em média) em Super McMenus, era quanto me afastava do carro naquele momento. Espectacular.

Maldisse-me por não ter mais tempo para aproveitar o concurso. Depois interroguei-me: como é que "eles" conseguiam assegurar que só saíam 3 carros?

...



A resposta é tão simples quanto psicologicamente elegante. Nas contas acima usei probabilidades iguais de saída para todos os cupões. Tudo o que eles têm que fazer é retirar da massa de cupões nestas condições, 11 cupões, um para cada agrupamento. Os que ficam podem ter probabilidades iguais de presença, mas os que se retiram serão em número absoluto bem definido de acordo com o número de prémios a atribuir. Por exemplo, admitindo que a minha sorte à primeira não é assim tão excepcional, só deveria existir ao todo, 3 Rossios, não mais. E a minha sorte inicial pode até ser a sorte do papalvo: afinal de contas, se a minha primeira reacção é aumentar o meu consumo para ver se apanho o cupão em falta (considerando que estava em jogo um carro), não seria inadmissível que "eles" tivessem salpicado o jogo com mais ruas Augustas do que o normal, precisamente com essa intenção. Até descobrir por amostragem que as coisas não eram como inicialmente pensava, já eles teriam conseguido a facturação de uma década comigo...

Deverei sentir-me decepcionado por todo este episódio? De forma alguma. Não existe nada mais curativo para lamentar uma oportunidade perdida, do que nos apercebermos que ela nunca existiu para começar. Aprendi que existe mais do que uma forma de jogar o monopólio, e pouco antes tinha descoberto uma nova demonstração para provar que as altitudes de um triângulo são concorrentes. Um muito bom dia no seu geral, somente estragado pelo 1:3 final da nossa selecção. Estou a sentir-me generoso.

Vou portanto regressar ao principio de tudo, ao meu título: quem quer cupões de monopólio do McDonalds? Tenho a Rua Augusta, a gare do Oriente, a praça da Republica e a avenida das Nações Unidas, quem quer?

[PS.: Esperem, não é a Rua Augusta que tenho mas a Rua das Amoreiras. Ia jurar que tinha a primeira, mas como é que ela mudou de nome?]

[PS.PS.: Esperem ainda mais, mas onde estava eu com a cabeça??? Não é assim que se fazem estas contas!!!! Se posso definir uma probabilidade de saída de um determinado cupão como fiz acima, não faz sentido definir a probabilidade de saída de múltiplos cupões sem definir o número de tentativas. As contas que apresentei acima para probabilidades iguais para cada saída, são um desastre, representando quando muito a probabilidade de apanharmos o MESMO e DETERMINADO cupão, 2, 3, 4 vezes seguidas... os meus parabéns para quem leu e vomitou a seguir.

Em vez disso, estamos perante um processo de Bernoulli, onde existe uma determinada probabilidade p=1/31 de sair um determinado cupão por evento. O número de tentativas N até sair um determinado cupão segue a distribuição geométrica, e a sua média E[N] é 1/p=31. Refazendo as contas:

Agrup. de 2 cupões: E[N2]=(31/2)+ E[N] = 46.5 ~ 12 Super McMenus
Agrup. de 3 cupões: E[N3]=(31/3)+ E[N2] = 56.8 ~ 14 Super McMenus
Agrup. de 4 cupões: E[N4]=(31/4)+ E[N3] = 64.6 ~ 16 Super McMenus

O raciocínio é que para conseguir um determinado bairro, é preciso conseguir primeiro um cupão qualquer do mesmo... depois de conseguido, tornamos-nos mais esquisitos nos cupões a apanhar, o que torna o processo progressivamente mais moroso. O ultimo leva sempre uns 12 Super McMenus mais ou menos.

Já o processo de sair um resultado qualquer é um jogo inteiramente diferente. Á primeira sai sempre um bairro mas não sabemos qual. Não precisamos portanto de esperar pelo primeiro cupão desse bairro, mas por outro lado, pode ser um dos agrupamentos maiores e mais morosos. Á segunda sai o mesmo ou outro bairro. No segundo caso, temos chances acrescidas porque senão acabarmos primeiro um dos bairros, acabamos o outro. E assim por adiante. Considerando a mistura dos vários tipos de agrupamento, este problema não me parece trivial e por agora, deixo-o à consideração de quem o quiser calcular, sem prejuízo de voltar a ele mais tarde. Seguro, seguro, é que o número médio de tentativas é inferior a 12!

Quanto é minha sorte de papalvo, ela mantêm-se rigorosamente igual ao valor que antes tinha calculado, 8 superMcMenus.


Deveria ter corrigido os cálculos do texto inicial? Porque é que apresento no mesmo texto, uma forma de fazer as coisas como se fosse correcta, e corrijo-a logo depois? Tenho várias razões mas a principal é um velho ditado de guerra: "mantém os teus amigos perto, e os teus inimigos ainda mais perto". Mesmo que a ilusão só tenha demorado os instantes de a escrever, a última coisa que quero esquecer-me é que posso facilmente ser iludido senão estiver precavido, e que há certas ilusões que me são convincentes, sendo preciso denunciá-las.

E não seria inteligente da minha parte, sendo este blog sobre os esquemas da minha mente (por isso se chama escópios e não "textosChatos" por exemplo), que o editasse de forma a parecer estar sempre certo desde o principio. A minha mente é a fonte e logo a primeira linha de defesa para todas as ideias, incluindo as más, e muito lixo vai aparecer aí primeiro. Não tenciono que este blog seja um espelho cor-de-rosa do mesmo.

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