terça-feira, julho 18, 2006

Ironias da Boca para fora: sobre o que se passa em Israel

Notícia do dia: Olmerth assina a sua própria sentença de morte. Nas palavras do Ministro de Defesa de Israel, nenhum país pode aceitar o disparo indiscriminado sobre os seus civis. O xeque do Hezbollah, Hassan Nasrallah, assinou a sua própria sentença de morte ao ordenar o disparo de misseis sobre Haifa... er... oops, disse Olmerth ao princípio?

É extraordinário a forma como os peixes podem morrer pela boca. Porque é indiscutível que quem iniciou a matança indiscriminada de civis foi Israel, que o faz sistematicamente à menor provocação, e só a falta de vergonha na nossa cara ou a nossa cobardia face aos nossos "aliados" nos impede de denunciar no que se tornaram: um estado monstro, empenhado em criar uma zona de terra queimada em volta, e para quem os seus vizinhos ou ocupados não são humanos (ou são-no mas eles são mais que humanos). Como é que foi possível, uma nação que era admirada por todos, tornar-se nisto?

Claramente, mimá-mo-la demais. Mas quem lhes vai dar a sova que precisam para se rectificarem?

quinta-feira, julho 13, 2006

Desonestidades Intelectuais: A propósito da Fábrica da GM da Azambuja

Se à algo que não posso deixar passar em branco é a desonestidade intelectual. Por desonestidade intelectual entendo a defesa ou o ataque de ideias com recurso a factos conjunturais onde há partida não existe clarificação suficiente para os associar à ideia em questão. A desonestidade intelectual abunda a todos os níveis. Numa sociedade com altos graus de sofisticação como a nossa, as questões que diferenciam cada um são tão de pormenor que se tornam impróprias para vender... o exagero, a deformação, e sim, a desonestidade intelectual tornam-se assim a arma principal de venda. Daí que a encontremos em vendedores, na publicidade, políticos, comentadores, mesmo eu que a critico não estou imune de a usar. Mas onde não a suporto realmente é em jornais.

Vem isto a propósito da clarificação prestada pelos responsáveis da GM sobre as razões do fecho da fábrica de Azambuja. As razões são claras: a saturação do mercado e as dificuldades da empresa obrigam ao corte de custos fixos, nomeadamente a fusão de instalações fabris para aproveitamento total dos turnos... com isto, a GM reconhece implicitamente que não vê a sua posição no mercado "regional" a aumentar de forma a aproveitar o sua capacidade excedentária de produção; e a logística de fornecimentos, claramente desvantajosa para a fábrica da Azambuja. Esta ultima caracteriza-se por a cadeia de fornecedores em apoio à fábrica não ser tão eficiente como para outras fábricas a manter. Como dizia a administração, o fecho tem a haver com factores externos sobre os quais a Azambuja não tem controlo.

A leitura imediata daqui é que nenhuma das razões principais do fecho tem a haver com uma alegada falta de produtividade dos seus trabalhadores, ou supostos altos salários por eles auferidos. Essa é uma dedução directa das palavras da GM, porque estes são factores onde a Azambuja podia ter uma palavra a dizer. De resto, tal argumento seria incoerente com a oferta de transferência de emprego para trabalhadoras da fábrica, para Saragoça.

E isto é engraçado.

Porque não há muito tempo, não foram poucos os "estudos" e as opiniões nos jornais tentando mostrar que a responsabilidade do fecho estava no comportamento dos seus trabalhadores. Lembro-me inclusive de ler comparações entre estes e os da Auto-Europa, onde estes teriam optado por garantir o seu emprego a longo prazo, e os primeiros teriam privilegiado os ganhos salariais a curto prazo. Os acontecimentos erigiam-se assim em casos-estudo da razão porque os trabalhadores de uma empresa não deviam estar demasiado atados aos "privilégios" arrecadados no passado, sob risco de perderem tudo. Nada de mais conveniente à classe empresarial, e também nada de mais intelectualmente desonesto... porque o exemplo principal afinal não o suporta.

quarta-feira, julho 12, 2006

Quem quer cupões do Monopólio?

No sábado, fiz algo que só faço talvez de ano a ano: fui ao McDonalds. Lá deparei-me com um curioso concurso baseado no monopólio, compra-se menus, ganha-se cupões que tanto podem ser um prémio directo, como representar casas de monopólio. Tal como neste jogo, a ideia seria coleccionar agrupamentos ou bairros, que poderiam ser trocados por prémios depois. O concurso seguia a escala de valores do jogo português: Ao Rossio e a Rua Augusta por exemplo, o bairro mais caro e potencialmente mais valioso do jogo, correspondia a atribuição de 1 entre 3 carros, aos restantes ajuntamentos correspondiam mais prémios mas de menor valor.

Qual não foi à minha sorte quando à primeira, saiu-me a Rua Augusta entre 4 cupões? Sorte demais ou de menos, porque o concurso terminava no dia seguinte e não há tempo para empanturrar-me de mais hamburgers, mas não deixei de pensar que era um concurso muito simpático. Com efeito, ainda que as hipóteses de sair um bairro especifico sejam diminutas, as hipóteses de sair um qualquer não são, como vos poderá dizer qualquer jogador do monopólio ao fim de algum tempo de jogo. Ainda assim, o mecanismo de extracção é diferente, pelo que façamos as contas.

No monopólio, existem 10 grupos ou bairros organizados da seguinte forma:

3 de 2 ruas ou casas
7 de 3 ruas ou casas
1 de 4 ruas ou casas
--------------------
31 ruas ou casas (entre 31 ou 40)

As restantes casa do tabuleiro pertencem a castigos e recompensas à sorte: prisão, vá para a prisão, casa de partida (receba X), caixa de previdência, etc). Não sei quantos cupões diferentes estão em jogo, mas posso especular sobre dois cenários diferentes: num deles, as casas a mais foram transformadas em prémios directos (para respeitar o principio do jogo), noutro, os prémios directos não estão na mesma proporção em relação a essas casa. O ultimo cenário é o mais provável ou teríamos em média, quase um prémio directo por cada super McMenu (este dava 4 cupões, o McMenu dava 2... penso que eram os menus, e não as batatas fritas e refrigerantes que davam o prémio). Isto é de resto académico, porque aumentar o número de cupões com recurso a prémios directos é sempre vantajoso por mim, e paga-se a si próprio. Trabalhar com o cenário mais favorável à saída de bairros pode não ser o mais vantajoso pelo que usarei este... já que tudo o que vier a mais é bónus. A probabilidade de sair um bairro determinado é portanto:

Agrupamento de 2 ruas ou casas: (1/31)^2 = 0.10405% ~ 1 em 240 Super McMenus
Agrupamento de 3 ruas ou casas: (1/31)^3 = 0.00336% ~ 1 em 7748 Super McMenus
Agrupamento de 4 ruas ou casas: (1/31)^4 = 0.00011% ~ 1 em 230880 Super McMenus

Já está, se quisesse que saísse um determinado prémio, os números acima seriam o número médio de Super McMenus que teria que consumir até o mesmo sair. Podem ser mais, ou ser menos. Mas a probabilidade de sair um prémio qualquer é maior:

prémio qualquer = 3(1/31)^2+7(1/31)^3+(1/31)^4 = 0.336% ~ 1 em 74 Super McMenus

E a probabilidade então de me sair um carro se já tiver a rua Augusta, é abismalmente melhor:

CARRO!!! = (1/31) = 3.2% ~ 1 em 8 Super McMenus

À volta de 30 a 40 euros (em média) em Super McMenus, era quanto me afastava do carro naquele momento. Espectacular.

Maldisse-me por não ter mais tempo para aproveitar o concurso. Depois interroguei-me: como é que "eles" conseguiam assegurar que só saíam 3 carros?

...



A resposta é tão simples quanto psicologicamente elegante. Nas contas acima usei probabilidades iguais de saída para todos os cupões. Tudo o que eles têm que fazer é retirar da massa de cupões nestas condições, 11 cupões, um para cada agrupamento. Os que ficam podem ter probabilidades iguais de presença, mas os que se retiram serão em número absoluto bem definido de acordo com o número de prémios a atribuir. Por exemplo, admitindo que a minha sorte à primeira não é assim tão excepcional, só deveria existir ao todo, 3 Rossios, não mais. E a minha sorte inicial pode até ser a sorte do papalvo: afinal de contas, se a minha primeira reacção é aumentar o meu consumo para ver se apanho o cupão em falta (considerando que estava em jogo um carro), não seria inadmissível que "eles" tivessem salpicado o jogo com mais ruas Augustas do que o normal, precisamente com essa intenção. Até descobrir por amostragem que as coisas não eram como inicialmente pensava, já eles teriam conseguido a facturação de uma década comigo...

Deverei sentir-me decepcionado por todo este episódio? De forma alguma. Não existe nada mais curativo para lamentar uma oportunidade perdida, do que nos apercebermos que ela nunca existiu para começar. Aprendi que existe mais do que uma forma de jogar o monopólio, e pouco antes tinha descoberto uma nova demonstração para provar que as altitudes de um triângulo são concorrentes. Um muito bom dia no seu geral, somente estragado pelo 1:3 final da nossa selecção. Estou a sentir-me generoso.

Vou portanto regressar ao principio de tudo, ao meu título: quem quer cupões de monopólio do McDonalds? Tenho a Rua Augusta, a gare do Oriente, a praça da Republica e a avenida das Nações Unidas, quem quer?

[PS.: Esperem, não é a Rua Augusta que tenho mas a Rua das Amoreiras. Ia jurar que tinha a primeira, mas como é que ela mudou de nome?]

[PS.PS.: Esperem ainda mais, mas onde estava eu com a cabeça??? Não é assim que se fazem estas contas!!!! Se posso definir uma probabilidade de saída de um determinado cupão como fiz acima, não faz sentido definir a probabilidade de saída de múltiplos cupões sem definir o número de tentativas. As contas que apresentei acima para probabilidades iguais para cada saída, são um desastre, representando quando muito a probabilidade de apanharmos o MESMO e DETERMINADO cupão, 2, 3, 4 vezes seguidas... os meus parabéns para quem leu e vomitou a seguir.

Em vez disso, estamos perante um processo de Bernoulli, onde existe uma determinada probabilidade p=1/31 de sair um determinado cupão por evento. O número de tentativas N até sair um determinado cupão segue a distribuição geométrica, e a sua média E[N] é 1/p=31. Refazendo as contas:

Agrup. de 2 cupões: E[N2]=(31/2)+ E[N] = 46.5 ~ 12 Super McMenus
Agrup. de 3 cupões: E[N3]=(31/3)+ E[N2] = 56.8 ~ 14 Super McMenus
Agrup. de 4 cupões: E[N4]=(31/4)+ E[N3] = 64.6 ~ 16 Super McMenus

O raciocínio é que para conseguir um determinado bairro, é preciso conseguir primeiro um cupão qualquer do mesmo... depois de conseguido, tornamos-nos mais esquisitos nos cupões a apanhar, o que torna o processo progressivamente mais moroso. O ultimo leva sempre uns 12 Super McMenus mais ou menos.

Já o processo de sair um resultado qualquer é um jogo inteiramente diferente. Á primeira sai sempre um bairro mas não sabemos qual. Não precisamos portanto de esperar pelo primeiro cupão desse bairro, mas por outro lado, pode ser um dos agrupamentos maiores e mais morosos. Á segunda sai o mesmo ou outro bairro. No segundo caso, temos chances acrescidas porque senão acabarmos primeiro um dos bairros, acabamos o outro. E assim por adiante. Considerando a mistura dos vários tipos de agrupamento, este problema não me parece trivial e por agora, deixo-o à consideração de quem o quiser calcular, sem prejuízo de voltar a ele mais tarde. Seguro, seguro, é que o número médio de tentativas é inferior a 12!

Quanto é minha sorte de papalvo, ela mantêm-se rigorosamente igual ao valor que antes tinha calculado, 8 superMcMenus.


Deveria ter corrigido os cálculos do texto inicial? Porque é que apresento no mesmo texto, uma forma de fazer as coisas como se fosse correcta, e corrijo-a logo depois? Tenho várias razões mas a principal é um velho ditado de guerra: "mantém os teus amigos perto, e os teus inimigos ainda mais perto". Mesmo que a ilusão só tenha demorado os instantes de a escrever, a última coisa que quero esquecer-me é que posso facilmente ser iludido senão estiver precavido, e que há certas ilusões que me são convincentes, sendo preciso denunciá-las.

E não seria inteligente da minha parte, sendo este blog sobre os esquemas da minha mente (por isso se chama escópios e não "textosChatos" por exemplo), que o editasse de forma a parecer estar sempre certo desde o principio. A minha mente é a fonte e logo a primeira linha de defesa para todas as ideias, incluindo as más, e muito lixo vai aparecer aí primeiro. Não tenciono que este blog seja um espelho cor-de-rosa do mesmo.

quarta-feira, julho 05, 2006

"Juros altos é bom?"

Devo estar doente: cinco meses sem uma entrada no blog, e de repente escrevo três. O meu terceiro é sobre o editorial de Martin Avillez Figueiredo do Diário Económico de 2006/06/28, com o título "Juros altos é bom?". Será que o li bem? Será que ele o leu bem depois de o escrever? Porque o que este senhor escreve, depois descodificar as palavras que usa, é que a consequência dos juros altos vai ser a recessão interna, e isso é bom porque vai forçar a economia a racionalizar-se (particularmente porque vai ser obrigada a apostar no exterior). Estes raciocínios do tipo "quanto mais pior, melhor" nunca deixam de me espantar. Até admira que os médicos não tratem os seus doentes disparando sobre eles. Mas... não é essa a cura que estamos a sofrer à quatro anos? Os gurus da economia ainda querem mais recessão do que a que já tivemos?

Copyright e Máfia: Querem fechar o site Bezmonitor.com!

A notícia que mais me enojou hoje foi esta: Na Bulgária, uma editora local chamada ‘Trud’, propriedade do grupo alemão Westdeutsche Allgemeine Zeitung, procurou fechar o site bezmonitor.com, que se dedica a distribuir obras literárias em ASCII, alegando que detinha os copyrights das mesmas. Nada mais banal no que pareceria uma noticia sobre a guerra económica da moda, a luta contra a pirataria literária, não fosse o caso do site ser propriedade de um invisual, Victor Kirilov, e o seu propósito ser a da distribuição não-comercial de obras para serem lidas por cegos, usando o software apropriado.

A história poderia ter morrido cedo, já que o dono do site retirou as obras em questão no próprio dia en que foi notificadopela Trud, não fosse um bloggista amigo, Grigor Gatchev, ter-se indignado com a insensibilidade da editora e publicitado o episódio. É que aparentemente a lei búlgara suspende os direitos de copyright no caso de material para deficientes visuais, e nesse caso, a pressão da editora teria sido ilegal. E é aqui que as coisas se tornam feias: a editora não esteve com meias medidas e reage tentando censurar o bloggista e fechar o site; o bloggista tentou levar o caso à comunicação social búlgara e descobre que ninguém quer tocar nele, não só por ser incómodo, mas também porque o dono da Trud teria poderosas conexões na industria búlgara dos média; e existem suspeitas no ar de que a editora estaria a usar as ligações e métodos de coerção do antigamente (leia-se, do antigo regime comunista) para fazer valer as suas posições, incluindo ameaças judiciais, policiais, económicas, não só a este site mas também a todos os que poderiam se apresentar como competidores aos interesses da Trud.

Antes de continuar, queria deixar claro que só li até agora uma das partes, e mesmo essa leitura pode ter sido mal interpretada. O que transparece nesse relato é a história de uma sociedade oprimida, pobre, coagida, um relato em tudo similar ao que poderia ter lido na Reader's Digest há uns anos atrás a respeito das sociedades do Leste quando o comunismo ainda imperava. A diferença aqui é que agora os cães estão ao serviço do capital privado. O terrorismo de estado faz-se em nome da protecção da propriedade privada e dos direitos de cópia, o grupo alemão WAZ é simplesmente um dos gigantes dos média alemães, e como tal respeitado.

Mas comecei o anterior parágrafo com uma ressalva e mantenho-a: só conheço um dos lados. Sem desconfiar do discurso que li, a sensação de "dejá vue" associada a que me referi pode ter outra explicação: não se pode ser dissidente numa sociedade fechada sem antes se adquirir um espírito independente e desconfiado, estruturalmente anti-sistema, e não é por haver uma mudança de regime, que o mesmo é desarmado. Sem pretender pôr em causa a veracidade ou a boa fé do que é relatado, até que ponto os meus sentimentos podem estar a ser manipulados pela mesma "retórica" que conquistou o Ocidente para as causas da dissidência no passado?

Ainda assim, não é por haver explicação alternativa, que esta se torna verdadeira sobre aquela que é anunciada com todas as letras por aquele que está no terreno. Sempre achei irónico que as ideologias que originaram o antigo "império do mal" (segundo Reagan) tivessem nascido putativamente como reacção aos excessos do capitalismo. Depois de tanto anos submersos á propaganda de guerra fria, "esquecemos-nos" que este tem excessos, e acabamos por "acreditar" na nossa própria intrínseca "bondade". Nós estamos protegidos pelas nossas próprias expectativas, a Bulgária não. Existem "escolas" económicas do Ocidente que têm apontado para as revoluções em curso no leste como exemplos a seguir, seja a desregulamentação económica ou fiscal, seja o dumping social, tudo em nome de um milagroso patamar de competitividade abaixo do qual seríamos relegados para segundo plano onde viveríamos muito pior. Se me permitem o sarcasmo, devíamos seguir o concelho dessas escolas e olhar mesmo com atenção, porque protegidos ou não pelas nossas expectativas, é "isto" que as mesmas querem por arrastamento, para o nossa sociedade. Mas julguem por vocês mesmos. Leiam o blog.

Protocolo de estado: O problema da posição da Igreja (I)


(estas reflexões foram-me suscitadas por um comentário no Blog "Se". Se gostam de textos chatos, esta é a primeira parte de um)


O problema dos protocolos é simples e resume-se ao seguinte: se existir uma pessoa para ser cumprimentada, e um grupo de outras para cumprimentar a primeira, como devemos ordenar a sequência de cumprimentos?

Tem que haver uma ordem, ou os cumprimentos desabam na confusão... onde o cumprimentado desapareceria, ele que se pretende realçar sobre os outros (porque essa é a função da cerimónia). Em cerimónias públicas ou de estado, é automático ler nessa ordem, a "importância" que cada um tem face ao publico presente. Mas também podemos cinicamente pensar que a "importância" é criada pela ordem usada... em vez de reflectir o papel que cada um tem, a ordem pode sugerir um papel diferente. Se alguém cumprimentar em primeiro lugar, todos se perguntarão porquê, qual é a importância dele, se o mesmo deve passar a ser mais cortejado ou não... em tempos que já lá vão, isto era o jogo que se fazia e muitas fortunas foram feitas ou desfeitas desta maneira. Daí que parecendo de pilro, o problema do protocolo pode ser importante e muitos sejam picuinhas em relação a ele, não poucas vezes comparando as suas violações a golpes de estado.

O estado moderno é suposto ser neutro em relação aos seus administrados. Ele não pode exprimir preferências, e o ideal é que o seu número de animais mais iguais que outros, seja reduzido ao mínimo. Algumas figuras, porque pertencentes à orgânica do estado, aprestam-se a hierarquizações incontestáveis, outras nem tanto. O problema é que as primeiras, o presidente da republica, o primeiro ministro, etc, são muito poucas e cedo se esgotam. Quando o segundo grupo aparece, o publico ainda não está farto o suficiente para deixar a má língua descansar. Aparecessem depois da primeira centena e ninguém repararia na sua posição. Parece-me assim vantajoso extender a discussão do protocolo ao segundo grupo: uma vez este aceite, ele liberta as cerimónias das guerras de posicionamento, poupando tempo e conflitos. Mas essa guerra tem que ser travada pelo menos uma vez.

E chegamos ao cerne da questão actual: que lugar deve ocupar a igreja no protocolo de estado?

1º. Na Concordata entre o estado português e a igreja católica, estes são definidos como independentes e autónomos: Portugal não é um estado confessional. Isto significa que a igreja não tem lugar na orgânica do estado... ela pertence ao segundo grupo. Ainda bem que isto assim é, até para a própria igreja. Não há pior armadilha para a missão desta que conquistar ou ser chamada a um lugar de governação de um país.

2º. Por não pertencer à orgânica do estado, o seu lugar no protocolo de estado é muito claro: nenhum.

3º. Esta conclusão não implica nenhum desrespeito pela mesma, até porque nessa posição está muito bem acompanhada por muito boa gente e instituições.

4º. A Concordata não especifica qualquer exigência a respeito de questões protocolares de estado.

Nem poderia porque, uma vez que o fizesse, estaria aberta a que os seus próprios protocolos e rituais estivessem sujeitas a igual intromissão por parte do estado (por uma questão de reciprocidade).

Estas conclusões não resolvem no entanto o problema da ordenação, apenas tornam claro que ele é um problema mais geral, impermeável às considerações especiais sobre apenas uma ou duas entidades. A solução para a ordenação tem que ser uma de princípio, aplicável tanto à Igreja como, por exemplo, à ordem dos médicos ou a qualquer outra força civil que se queira fazer representar.